segunda-feira, 24 de maio de 2010

As roças

Hoje o dia foi dedicado à agricultura, andámos no meio da selva (literalmente) a ver plantações de cacau, bananas, fruta-pão, baunilha e pimenta. O Sr. Espírito Santo estava pronto para nos dar uma aula sobre o cultivo da baunilha, mas também sobre gestão de stocks e aprovisionamento. Nas palavras dele, um homem que sabe um pouco de tudo e gosta do que faz acima de tudo. Uma gargalhada fenomenal e inesquecível.
Num país onde chove durante 3 meses num ano, é incrível a quantidade de verde que se vê em toda a paisagem e as culturas que fazem por aqui. Visitámos duas roças, antigas propriedades onde se cultiva(va) e prepara(va) o cacau e o café. O trabalho escravo já não existe há muito tempo, mas as pessoas que ainda habitam estes locais são tão pobres que saí de lá com o coração apertado. Adultos vêm-se poucos, provavelmente porque hoje é Domingo e é dia de descanso (ou porque simplesmente não estão para nos aturar). Mas há imensas crianças que mal veêm o autocarro correm na nossa direcção. Querem "doce", querem tirar fotografias connosco (e depois querem ver nas máquinas como ficaram), querem mimos, é uma cena muito fora. Compreendo perfeitamente porque é que os ricos e famosos adoptam estes miúdos, dá vontade de os levar a todos para casa... Assim que saí do autocarro uma menina chegou ao pé de mim e pegou na minha mão. "Branca, branca... és brasileira?" Confirma-se, ao pé deles sou mesmo muito branca. Explico que sou portuguesa e que estamos a conhecer o país dela para contarmos a toda a gente que é tão bonito. Que vendemos todos viagens e que vamos fazer com que mais pessoas os venham visitar e venham ao país deles. Ela sorri e diz num tom orgulhoso: São Tomé e Príncipe! Não largou mais a minha mão. Tem 7 anos e 9 irmãos.

É um misto de sorte e azar. São pobres, provavelmente passam fome, não têm brinquedos e meninas de 11 anos tomam conta dos sobrinhos e da casa como se fossem mulheres adultas. Mas também não conhecem outra realidade e aparentemente são felizes. Não sabem o que é stress, Internet, Playstation, elevadores, cartões de débito, máquinas de lavar, engarrafamentos... nem precisam. E nós temos isso tudo e precisamos sempre de mais. O ser humano é um bicho muito estranho.

Saímos da roça e seguimos pela estrada(!?!?) em direcção à praia. Estamos na zona Norte da ilha, a zona mais seca e árida, onde havia antigamente a exploração da cana do açúcar. O solo ficou queimado e destruído, já não cresce mais nada alí. O guia diz que nos meses mais secos há incêndios espontâneos alí. Será? O filho do governador tem uma vivenda para aquelas bandas. Só passámos por uma casa, em ruínas mas habitada. Pobreza no meio do nada. Cães magros que não vêm por mais que eu chame. Aridez.

Um mergulho nas águas cristalinas para lavar estes pensamentos. Há mais miúdos na praia a brincar, não falam connosco mas pelo cantinho do olho vejo que observam cada movimento nosso. Imagino o que pensarão eles de nós. Almoçamos debaixo de uma árvore, devoramos umas sandochas antes que as formigas gigantes nos devorem a nós. Depois mais uma roça, muito maior, com um hospital enorme onde o nosso guia Albertino nasceu. Ele vai dizendo datas e contando estórias, eu faço um esforço para o ouvir. O calor àquela hora é brutal e alguns já adormeceram. Eu esperei até chegar à piscina do hotel.

Aqui o tempo passa devagar, muito devagar. Fico surpreendida cada vez que olho para o relógio, parece-me sempre que deveria ser mais tarde. Não há jet leg, é mesmo o ritmo da vida em São Tomé. Vou dormir. Até sempre...