Ontem andámos aqui às voltas com o rádio e passámos uma boa parte da tarde a ouvir a Rádio Renascença. Só músicas "velhinhas", coisas que já não ouvia há anos. De repente estava outra vez debaixo da mesa da sala, em casa da minha avó. Lembro-me que a mesa era de madeira escura, maciça, e tinha uns pés trabalhados com reviravoltas de madeira que eram do tamanho exacto para fazer de banco para as bonecas, na casa mais imaginada do que construída. A minha avó era costureira, eu fazia vestidos toscos para as bonecas com os trapinhos que sobravam do que ela estava a fazer. Hoje em dia o máximo que me aventuro é cozer um botão de vez em quando, quando é preciso. Na altura ajudava a desmanchar costuras e inventava vestidos que ficavam muito bonitos (na minha cabeça) mas depois não davam para vestir às bonecas, vá-se lá saber porquê... mas ontem voltei lá, voltei a ser menina pequenina com aquelas vozes antigas a fazerem-me lembrar o cheiro do óleo da Singer de pedal onde eu nunca podia mexer, o sabor do pão com queijo à hora do lanche, a imagem da minha avó inclinada sobre a costura, em contra luz na janela que dava para o quintal. A qualquer momento podia ter começado uma radio-novela, com aqueles efeitos sonoros estúpidos mas que faziam todo o sentido, tipo cascas de coco a bater uma na outra para imitar o barulho dos cavalos a andar. Ao fim da tarde começou a dar o "terço" e aí tivemos mesmo de mudar de estação. Foi uma boa viagem no tempo, mesmo assim. Tenho saudades da minha avó. Até sempre.
