Passava sempre por eles, quase todos os dias, quando andava nas voltas... Um casal de velhinhos, muito queridos e carinhosos, preocupados um com o outro, sempre de mão dada, a passear. Ela, muito bem arranjada, cabelo a 100%, acabadinho de sair do cabeleireiro. Ele, de fato e gravata, impecável, como se ainda fosse trabalhar. Cada vez que passava por eles não conseguia disfarçar um sorriso, é admirável que ao fim de tantos anos juntos (imaginava eu...) ainda irradiassem tamanho amor e felicidade. E eu também ficava feliz, só de os ver, fazia-me acreditar no amor eterno, até que a morte nos separe...
Há uns tempos deixei de os ver.
No domingo de manhã, fui tomar o pequeno almoço a uma pastelaria e lá estava a senhora, sozinha, a conversar com a dona do estabelecimento. Não sou de ouvir as conversas dos outros, mas o que é facto é que a pastelaria estava vazia e era impossível não ouvir.
A velhinha bem arranjada é francófona, fala aquele português arrastado, com sotaque parisiense e muitos "eeehhhhhhhhhs" pelo meio. Está de luto, o marido morreu. Não vai sair de Leiria, diz que tem 28 anos de memórias aqui. Mas sente muito a falta do seu companheiro de sempre, segundo ela, vivia com ele e para ele. É difícil ignorar uma rotina de tantos anos juntos. E ultimamente tinha de lhe fazer tudo, como a uma criança, levantava-o, dava-lhe banho, fazia-lhe a barba, vestia-o, dava-lhe de comer. Hoje levanta-se sem objectivos, sem rotina, sem coisas para fazer. E sente-se perdida. E vai na rua e não tem a quem dar a mão, nem quem lhe dê a mão a ela.
Saí da pastelaria desconsolada, acho que até o pequeno almoço me caiu mal.
Não devia de ser permitida uma separação assim, de quem se amou tanto, por tanto tempo. Nunca mais vou sorrir ao ver o casal de velhotes na rua, porque a morte, de facto, separou-os. Até sempre.
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