Acreditem em mim, que eu já mudei de casa pr'aí umas 14 vezes. Primeiro, esqueçam tudo o que viram na televisão, nada vos poderá preparar para o que vai acontecer. Ninguém consegue arrumar tudo em caixotes com antecedência e contemplar com ar doce a casa que vão deixar enquanto passam em flasback as memórias dos tempos felizes... no dia da mudança ainda há muitas coisas espalhadas pelo chão que acabam por ir em sacos e demoram eternidades a voltar a ser encontradas. As casas, à medida que vão ficando vazias, não ficam todas bonitinhas e com ar de quem acabou de encerar o chão. Quanto mais tralhas tiramos mais lixo aparece, por mais limpezas que pensem que fizeram durante o tempo que estiveram nessa casa, aparece cotão nos sítios mais inusitados e o resultado final é um chão cheio de riscos e pó, desolador. Não há tempo para tirar fotografias com caixotes na mão a sorrir, ninguém sorri, muito menos os donos das tralhas, que já estão a pensar no que é que se foram meter. Ninguém anda de saltos altos a fazer mudanças, nem sequer consegues arranjar uma roupa adequada porque a tua roupa está toda em trouxas e nem sequer sabes das t-shirts, podem estar na casa velha ou já ter ido para a casa nova, não sabes, acabas a fazer a mudança com aquela camisolinha que até gostas e que, invariavelmente, vai ficar estragada. Não há cá lencinhos a apanhar o cabelo nem ar de pin up girl a fazer limpezas, é meter um elástico no cabelo para não ir para a frente dos olhos e rezar para que nenhum vizinho te veja assim. Com sorte podes tomar banho no final do dia, se já tiveres água quente em casa, claro. Os amigos estão (quase) todos demasiado ocupados para te ajudar e os que não estão já se arrependeram 30 vezes de ter comparecido quando viram a quantidade de móveis e máquinas de lavar que temos para acartar. Não há nenhuma carrinha suficientemente grande para mudar uma vida. Vais passar o dia a subir e descer escadas, a porta do elevador não se mantém aberta, há coisas que não cabem no elevador e outras que preferias mandar pela varanda, se não parecesse mal era mesmo isso que fazias. As empresas de mudanças são caras e tens de ter tudo arrumadinho que eles não vão embalar nada. Por isso achas que consegues fazer tu e depois andas 3 semanas sem perceber porque é que deste cabo das costas e tens as pernas cheias de nódoas negras. Vais ao caixote do lixo 7 vezes por dia e de cada vez que deixas alguma coisa fora do caixote apercebeste que passado 5 minutos já não está lá, mas não viste ninguém a ir buscar... Não há tempo para escolher quase nada, leva-se e depois logo se vê. Por mais que escrevas nos caixotes para que divisão da casa é suposto irem há alguns que vão acabar noutro sítio, há alguns que se calhar até se perdem pelo caminho porque já te fartaste de procurar alguma coisa e não encontras, há alguns que ganham vida própria e fogem, que é o que te apetece fazer. Depois de tudo mudado ainda tens toda uma logística burocrática de mudanças de contadores e contratos e ajustes que são precisos fazer. Muitas coisas não vão funcionar tão bem como tu achavas e se tiveres sorte tens um senhorio que até te ajuda, se não tiveres sorte... boa sorte! Vão sempre haver fugas de água, coisas a partirem-se, vidros com riscos, loiças com rachas, roupas sujas, colchões com pó, móveis com lascas. É preciso por candeeiros, fazer ligações, furar paredes, pendurar relógios... E o mais engraçado de tudo (not) é que a vida não pára nem tem compaixão de nós só porque decidimos mudar de casa. Continuas a ter de ir trabalhar, os putos continuam a ter de ir para a escola, continuas a ter que comer, a roupa continua a amontoar-se no cesto para lavar e para passar, etc. etc. etc.
Estou muito cansada, estou constipada, tenho a casa agora num "caos razoável" e o meu filho não me deixou dormir. Nota-se muito? Mas não me arrependo de ter mudado, só preciso de mais tempo para afinar agulhas. Até sempre.