"(...) Pois foi à esquina de uma dessas avenidas que se me deparou esta velha encostada à parede, como quem não pode andar e tendo na cara, nos olhos fechados, na palidez, no rictus da boca entreaberta, uma evidente expressão de sofrimento e de que estava só à espera que lhe faltassem as forças de todo para cair redonda, no passeio. Não havia alí mais ninguém e eu, que não sou melhor porque não tenho tempo, julguei do meu dever aproximar-me. É certo que eu não tinha assim uma obrigação especial de me interessar pelo caso. Sou sócio mas é de outra sociedade que não tem o dever associativo de proteger as velhas abandonadas. E não gosto que alguém me veja a exibir o meu bom coração às esquinas da rua porque eu conheço o meu semelhante e são capazes de pensar que eu estava alí à espera de que aparecesse o fotógrafo para me tirar o retrato em pleno exercício de um acto de simpatia humana."
Ramada Curto in "O Preto no Branco"