sexta-feira, 8 de abril de 2011

Leituras soltas do que gostava de ter escrito

"A neve cai do céu! Olha, não vês, como é tão linda a neve? Como vem pelo ar cair-te aos pés, numa graça de voo, airoso e leve! Toda a estrada, vê lá, como branqueia! O campo envelheceu! E, como a noite está de lua cheia, parece prata o que cai do céu. E que estranho ficou o pinheiral, empoado, a brilhar! Cada pequeno arbusto é um cristal, e os cristais são diamantes, ao luar. Naquela noite em que Jesus nasceu, dizem lendas suaves, vêm à terra os anjos que há no céu, com asas brancas, como grandes aves. E como é muito longa a caminhada, caem penas no ar. Pois os flocos de neve imaculada são as penas caindo devagar. Talvez não queiras nisto acreditar. Duvidas? Fazes mal. Pois tu não vês quase sempre nevar na noite de Natal? Digo-te mais: essas penas ligeiras largam de si um pó, que fizeram, aos poucos, traiçoeiras, a cabecita branca à tua avó. Sorris teimosa? O tempo vai passando e então verás, amor, o teu cabelo negro ir-se mudando, até ficar assim, da mesma cor. Como essa cabecita há-de ficar, cor do linho e dos gelos! Mas que estranho contraste há-de formar teu negro olhar, com a cor dos teus cabelos! Porque o incêndio desse olhar amado nada o fará morrer! E se eu o quero ver suavizado, é preciso beijar-te para o ver. E a neve cai. Faz frio. Fecha a janela e olha para mim. Que importa o frio que lá por fora gela, quando tu, meu amor, me olhas assim."

Ramada Curto in "O Preto no Branco"