Não sou contra a manif. Acho muito bem que quem não está contente se manifeste e tente por todos os meios (pacíficos) chamar a atenção para os problemas do país que no fundo são de todos. Mas não posso participar, não sería legítimo da minha parte, eu que sou tão fiel aos meus próprios limites, impostos por mim, a mim própria.
Não me identifico com a geração "à rasca". Não estou tão bem na vida como gostaria mas também não estou "à rasca". Para além disso os meus pais sempre me ensinaram que "à rasca" não se diz, que é feio. Não gosto dos Deolinda nem particularmente das músicas deles. Nem sequer acho que seja parva.
Fiz dois estágios curriculares (daqueles que fazem parte do curso e são assim como que uma cadeira prática...) de 3 meses cada um. Nunca senti que estivesse a ser explorada porque na escola também não me pagavam para trabalhar. Num desses estágios, num entidade do Estado, até me pagavam o subsídio de refeição e só me meteram a tirar fotocópias uma vez. Eram todos (e são) uns queridos para mim, ensinaram-me muito e deixaram-me fazer coisas. Gostaram do meu trabalho e depois do estágio ainda me fizeram uma proposta para concluir um trabalho que estávamos a fazer. E pagaram-me. Foi o meu primeiro "ordenado". Nunca trabalhei a recibos verdes. Acabei o curso em Setembro e comecei a trabalhar em Novembro (com o Outubro pelo meio para ter férias, que era coisa que já não tinha à uns tempos). Trabalhei numa empresa que me deu formação, bases para trabalhar, conhecimentos técnicos e prácticos que ainda hoje me são úteis. Estive lá durante 6 anos, entrei directamente para os quadros e com um ordenado simpático para quem nunca tinha recebido nenhum salário. Em Fevereiro (4 meses depois) fui viver para um apartamento arrendado, pagar as minhas contas, cozinhar o meu jantar, passar a minha roupa a ferro.
Foi a essa empresa que me foram "buscar" para trabalhar onde trabalho hoje. Não foi por cunhas, não foi por candidaturas espontâneas, não foi por nada de especial, foi só porque alguém achou que eu podia ser boa naquilo que faço. Com um contrato a termo, só o futuro dirá se fico por aqui ou não. Mas não considero que seja "precária", todos os dias trabalho e dou o meu máximo, visto a camisola, faço horas extra não pagas e não me queixo. Porque me sinto bem onde estou, porque tenho plena consciência que se eu não quiser há 500 pessoas interessadas em fazer o mesmo, talvez ganhando menos até. Tento provar a quem me contratou que foi uma boa aposta e que vale a pena manter-me por cá mais tempo porque trago valor para a minha empresa. E enquanto pensar assim não me posso arrepender de ter mudado e de ter arriscado.
Sei que tive alguma sorte. Claro que sim. Sei também que depende de nós provar que a nossa sorte (no mundo do trabalho) somos nós que a fazemos. Compete-nos a nós provar que merecemos estar no nosso posto de trabalho, num mundo cada vez mais rápido e competitivo. Ou não, ou mudar se estamos descontentes, arriscar. E também sei que se correr mal, não terei medo nenhum de trabalhar noutro sítio, noutra área, a limpar escadas se for preciso. Porque já não moro em casa dos meus pais e assumi com 23 anos que era adulta e independente. E agora tenho de ser adulta e independente até ao fim da vida.
Outra coisinha que ainda não percebi... qual é a solução mesmo? Manifestam-se, querem o despedimento em massa do governo e de toda a classe política e depois? Quem é que vai tomar conta disto? Outros iguais? Hum? Qual é o plano? Vou assistir à revolução através da televisão: um clássico! A ver vamos no que isto vai dar. Até sempre.